Bruno Villas Bôas - jornal O Globo, em 04/09/11
Nos três anos de crise internacional, instituições lucram US$42 bi e países se afundam em dívidas. Quase três anos após a quebra do megabanco de investimentos Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, a crise financeira internacional que teve origem no mercado imobiliário americano com as hipotecas de alto risco, as chamadas subprime, segue abalando mercados e assombrando governos. Os cofres públicos e bancos centrais de todo o mundo já arcaram com US$12,4 trilhões até agora para incentivar suas economias e limpar os estragos provocados por grandes bancos globais. Essa conta se transformou numa dívida explosiva de países, e agora cobra sua conta e derruba as bolsas de valores. As instituições financeiras socorridas na crise, no entanto, estão muito bem, obrigado. Seis dos principais bancos ajudados na crise - Bank of America Merrill Lynch, BNY Mellon, Citigroup, Goldman Sachs, JPMorgan Chase e Morgan Stanley - lucraram, somados, US$42,4 bilhões no ano passado, aumento de 40% na comparação a 2009. E os bônus dos grandes executivos de Wall Street voltaram, com pagamentos que em um dos casos chegou a US$23,3 milhões. O problema dos bancos com a dívida imobiliária foi absorvido, e eles voltaram a ser lucrativos, na maioria dos casos. A crise que era de empresas e bancos transformou-se agora numa crise de governos, principalmente em países como Grécia, Portugal e Irlanda, e provavelmente Espanha e Itália, que precisaram socorrer suas economias. Nos EUA, a dívida ganhou uma dimensão explosiva e está em níveis preocupantes, ainda que a solução preocupe menos do que na Europa - afirma Carlos Langoni, ex-diretor do Banco Central e economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) compilados pelo GLOBO, a dívida bruta dos países do G-7 - os mais ricos do mundo, entre os quais EUA, França e Itália - cresceu de US$35,3 trilhões em 2009 para US$41,26 trilhões em 2011, um aumento de 16,7%. No mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelos países) desse grupo avançou apenas 1,36%, considerando projeções do Fundo. Dessa forma, o endividamento dos países passou a representar 118,2% do PIB. Bancos voltam a pagar bônus gordos Segundo Alex Agostini, economista da Austin Ratings, as dívidas dos EUA e de países da Europa subiram com políticas fiscais expansionistas, como programas de incentivo ao consumo e auxílio-desemprego: - Os gastos não surtiram o efeito esperado, e a arrecadação dos países não melhorou. Isso criou problemas para a rolagem das dívidas soberanas e vai afetar o crescimento do mundo. Não existe um cenário de recessão, mas a estagnação é possível. Na semana passada, o FMI revisou sua projeção de crescimento da economia global de 4,3% para 4,2% neste ano. Para 2012, o crescimento foi revisto de 4,5% para 4,3%. O Fundo revisou ainda o cenário de crescimento da economia americana, que passou de 2,5% para 1,6% neste ano e de 2,7% para 2% no ano que vem. O tamanho dessas revisões tem impactado as bolsas de valores pelo mundo. Os mercados de ações perderam US$6,87 trilhões em valor de mercado desde 27 de abril, quando bateram sua máxima no ano. Mesmo com o risco de um pouso forçado no mundo, os bancos estão engordando o contracheque de executivos. O Goldman Sachs, por exemplo, aumentou em R$3,6 milhões o bônus ao seu presidente, Lloyd Blankfein, no ano passado. A instituição lucrou US$8,3 bilhões em 2010. Os executivos do banco não foram punidos na crise, nem reconheceram culpa por distribuir ativos de alto risco como se fossem aplicações seguras. O banco pagou US$550 milhões num acordo para encerrar uma investigação na Securities and Exchange Commission (SEC), a xerife do mercado de capitais americano. Na sexta-feira, a Agência Federal de Financiamento de Casas (FHFA, na sigla em inglês), encarregada de fiscalizar as instituições hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, abriu um processo contra 17 bancos. Estes são acusados de vender a Fannie e Freddie papéis lastreados em hipotecas subprime que levaram as duas instituições à beira da falência. Não se sabe o valor da ação, mas como o montante dos papéis vendidos foi de quase US$200 bilhões, analistas esperam perdas bilionárias para os bancos. Mas, como o Goldman Sachs, outros bancos têm se sentido livres para pagar bônus por seus elevados lucros e porque pagaram a maior parte do dinheiro recebido pelo Programa de Ajuda a Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). Segundo o Tesouro americano, o programa de compra de ativos podres gerou, inclusive, um lucro de US$1,4 bilhão ao contribuinte americano. Já o dinheiro emprestado para dar liquidez às instituições resultou num ganho de US$10 bilhões, efeito do pagamento de juros e dividendos (participação nos lucros pagos aos acionistas). Isso não significa que os bancos não tenham nenhuma responsabilidade sobre o endividamento dos países, já que são a origem do problema. E tem um lado muito ruim nisso tudo. No fim das contas, o governo americano não puniu acionistas dos bancos, gerentes e grandes executivos dessas instituições - diz Monica de Bolle, da Galanto Consultoria. Risco nas medidas de austeridade Nesse embalo, o presidente do Bank of America, Brian Moynihan, recebeu cerca de US$10 milhões em 2010, segundo jornais americanos. O do Citibank, Vikram Pandit, que por dois anos ficou com salário simbólico de US$1 enquanto tentava pôr o banco nos trilhos, passou a receber US$1,75 milhão no ano passado. Em maio, Pandit levou mais US$23,3 milhões pelos excelentes resultados do Citi, a serem pagos nos próximos quatro anos. No Reino Unido, a situação é semelhante: o Royal Bank of Scottland deve pagar 1 bilhão de libras em bônus. No mercado secundário de crédito de risco, Fannie e Freddie perderam, cada uma, US$14 bilhões em 2010. Ambas permanecem sob a tutela do governo americano. Quando a agência Standard & Poor"s reduziu a nota de crédito dos EUA - de "AAA" para "AA+" -, as duas refinanciadoras hipotecárias também foram rebaixadas. Enquanto isso, os países da zona do euro lançam programas de austeridade fiscal para estancar a crise de confiança em seus títulos soberanos, o que é fundamental para refinanciar suas dívidas. Segundo Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, ao recuperar a confiança de investidores e empresas, os países pretender incentivar investimentos e gerar empregos. O problema é que, ao cortar gastos, empurram ao mesmo tempo suas economias para uma recessão. Isso pode criar um círculo vicioso e exige um ajuste fino. Não está na hora de austeridade, mas de investimentos, de fazer a economia funcionar, gerar empregos. O problema é que quem está comprando os títulos desses países, como a Grécia e Irlanda, são os contribuintes de Alemanha e França. E eles querem contrapartidas fiscais dos vizinhos - afirma Cunha. Para economistas, um novo afrouxamento monetário nos EUA - o chamado quantitative easing 3 (QE3) - está a caminho e vai aumentar os gastos que já chegam a US$12,4 trilhões no mundo, valor que considera estimativa do FMI somada ao QE2 de US$600 bilhões nos EUA. |
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