Marcel Gomes - Carta Maior, em 06/09/2011
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Pacotes de corte de gastos governamentais podem agravar ainda mais os efeitos da crise financeira global em vez de amenizá-los, diz relatório da agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, a Unctad, divulgado nesta terça-feira.
“Políticas fiscais restritivas atacam os sintomas, e não as causas da crise”, alertou o economista argentino Alfredo Calcagno, um dos autores do estudo, em teleconferência realizada a partir de Paris. Segundo ele, a explosão da dívida pública não é causa da crise financeira internacional, mas conseqüências dela.
A explicação é simples. Com a deterioração dos fundamentos econômicos mundiais a partir de 2007, os governos abriram os cofres públicos ao lançar pacotes de estímulo econômico, salvar empresas quebradas e, no caso das nações em desenvolvimento, pagar taxas de juros mais elevadas.
O Brasil e diversos países ricos, como a Itália, anunciaram recentemente planos para cortar gastos e enfrentar a crise. Mas o relatório da Unctad não aprova essa receita.
“Uma vez que a crise não foi causada por políticas fiscais perdulárias, a austeridade fiscal não é uma resposta adequada. A transição do estímulo fiscal para o aperto fiscal é auto-destrutivo. Este é especialmente o caso das economias mais desenvolvidas que foram severamente atingidas pela crise”, diz o texto.
Anos 90
Em sua exposição, Calcagno pediu que os ensinamentos das crises internacionais da década de noventa não sejam esquecidos. Um deles é que restrição fiscal não gera estabilidade fiscal, pois é uma política que incide diretamente sobre o crescimento econômico e as receitas do governo. “Os países desenvolvidos estão fazendo políticas para não crescer”, afirmou.
O economista argentino lembra que o argumento central usado para justificar políticas fiscais restritivas é a necessidade de restaurar a confiança dos mercados financeiros. Entretanto, diz ele, é importante considerar que a crise foi principalmente gerada pelo comportamento dos mercados financeiros, e que eles requereram custosas intervenções públicas.
"Surpreende que esses atores, inclusive agências se rating, sejam considerados quando se discute uma gestão macroeconômica correta", questiona.
Na avaliação da Unctad, uma política fiscal expansionista pode ter fortes efeitos sobre a demanda, aumentar os lucros do setor privado e elevar as receitas com impostos. O relatório afirma, porém, isso pode ser feito sem elevação do total de gastos públicos, mas o reestruturando, com foco em investimentos em infra-estrutura, transferências sociais e subsídios ao investimento privado.
Mais regulação
Como propostas para solucionar a crise, a Unctad não vê outra maneira senão maior regulação do mercado financeiro global. Novas regras acertadas pelos países deveriam estancar a especulação nas bolsas de commodities, restringir a ação das grandes corporações financeiras globais e controlar fluxos financeiros que geram a volatilidade das taxas de câmbio nacionais.
A Unctad acredita que pouco tem sido feito nessa direção. O relatório critica o G-20, que vem discutindo o tema, mas cujas propostas ainda não implementadas mantêm expostas as nações em desenvolvimento a oscilações bruscas dos preços das commodities e a choques externos, como fuga de capitais.
Ao estimar o crescimento econômico, a Unctad prevê que os países em desenvolvimento continuarão sendo a locomotiva mundial. Esse grupo de nações deve crescer em 2011 acima de 6% em média, antes um máximo 2% em média dos países desenvolvidos. Entretanto, a taxa de expansão econômica mundial soluçará, dos 4% anotados em 2010 para 3% neste ano.
Na opinião do órgão da ONU, a razão para essa diferença é clara. No grupo em desenvolvimento, salários em ascensão e gastos públicos servem de blindagem contra a crise. No grupo desenvolvido, a estagnação é resultado de alto desemprego, achatamento dos salários, redução dos empréstimos bancários devido à crise dessas instituições e corte de gastos públicos.
Mas o relatório alerta que o cenário segue instável. “O crescimento nos países em desenvolvimento tem sido fortemente baseado na expansão da demanda doméstica. No entanto, essas nações ainda enfrentam significantes riscos externos gerados pela fragilidade das economias desenvolvidas. A ausência de reformas substanciais nos mercados financeiros internacionais é um risco adicional”, diz o texto.
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